quarta-feira, 9 de setembro de 2020

 Passeios á chuva- Tete gaiata morena de lábios doces .


... já tinha reparado, numas nuvens carregadas, que começavam a despontar do lado da Caroeira. Até seria bom que houvesse alguma precipitação, o meu quintal-jardim bem precisava de ser regado a sério. As pêras goiabas estavam a cair e as que não caiam, a serem provadas pelos pássaros de papo branco e cauda maior que o seu fino e delicado corpo. Ao mesmo tempo, tinha receio que viesse uma trovoada de partir tudo, porque a minha figueirita de figos grandes, carnudos, não iria conseguir segurá-los e lá iam por água abaixo o meu preferìvel fruto ao mata-bicho... Era sábado. Aos poucos formou-se um grupo frente á papelaria Lopes, onde não faltou o dono Carlos, o Marques (o Chichas) o Nunes, o Oliveira (dos Seguros), o Luis Filipe( o bolinhas) eu e outros. Falava-se de tudo mas o futebol vinha sempre á baila, não fosse o Nunes o presidente da associação . Mesmo quando estava a sair do Christos Luscos,depois de ter visitado o comércio desta zona, talho, peixaria, relojoaria,boutique, a mulher , já com o que comprara, num minuto, rebentou uma trovoada, daquelas de encher todos os buracos da rua e elevar o caudal do rio. Engraçado, nunca tive guarda-chuva nos três países africanos onde vivi; Angola, Moçambique e por último na Rodésia (hoje Zimbabwe). Liguei a ignição e o rádio sempre sintonizado no RCM ,difundia o samba "Chove , chuva , chove sem parar..." voltamos á direita e subimos a António Enes. Dum lado a bomba de gasolina da Zambézia do outro o hotel e a barbearia Pedra d´Ouro, a farnácia Galénica . Passamos a casa do juiz, o banco Sotto Mayor, auto Industrial e paramos frente á Univendas ,a correr, atravessamos a rua em direcção á Classica. O Jacinto, sempre bem disposto, desfazia-se em simpatia, com todos os clientes e para os amigos tinha sempre uma palavra com graça. Enquanto a mulher desfolhava as revistas, á procura do desenho da última moda, encostei-me á ombreira da porta e divertia-me a ver como as pessoas se protegiam da intempérie, abrigando-se junto ou entrando no comercio. .. Haviam os que não receavam o molhado e até era altura de se mostraram, como o gingão, ginga a brilhar e afinada, fato de balalaica clara, impecavelmente vincada, óculos escuros, cigarro ao canto da lábios,chapéu com pena e espelho redondo, que lhe saíra numa rifa do bar Alves... a mulher a pé queria correr ,mas a capolana e o filho, que carinhosamente trazia ás costas, travavam-lhe os passos .. puxou a ponta que lhe cobria os seios e tapou a cabeça do filho, num gesto, duma subtileza feminina de carinho maternal....e o gaiato calções pardos,por precisarem de lavagem, aproveitou o ajuntamento para pedir uma quinhenta..

...gostava de ter seguido a chover. Eram quase horas de almoçar. Dei meia volta e dirigi pela Ezequiel Bettencourt, com o Banco Standard Totta, o restaurante Lisboa, a casa do Hassan (do cinema)e mais recuadas outras casas de gente amiga, do lado direito a Somac, onde o Marques desenvolvia metodicamente o comércio de materiais de construção e a seguir, uma frente de prédios de vários pisos, e vivendas individuais até ao fim da rua, onde ficava o Lar do Estudante e uma capelinha, a desejar boa viagem a quem saísse da cidade. Conjunto que identificava bem a cidade moderna que submergia.

Estava mesmo na hora. Esperavam-nos uma carilada, umas manicas e para atestar umas mangas... daquelas pequenas dum gosto ímpar.

O rádio tocava "kanimambo"....