quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

AS CANGARRAS DE TETE

 …a galinha-do-mato tem que vir em cangarra se não, não é galinha-do-mato. Sempre que, o Luís nosso mecânico, ia a aldeia, para os lados do mazoi, regressava com a ginga tão carregada que nem carreira “dos caminho-de-ferro” e na cangarra bem amarrada atrás lá vinham duas ou três galinhas de bico aberto e goela seca, abafadas com todas as quitandas por cima. Os ramos que a compunham e as “tambalas” que amarravam formavam o entrelaçado engenhoso que faz do objeto uma preciosidade regional. Os design do feitio era de acordo com a criatividade e gosto do artesão. Redondas ovais ou mais ou menos bicudas serviam perfeitamente para o transporte das galinhas, por vezes não se redimensionava o tamanho á quantidade, tornando-a um transporte coletivo e apertadinho. Bem cacarejavam e esperneavam mas não valia de nada o esforço, porque a tambala não cedia. Soltas no galinheiro era vê-las a “desembrulharem-se” em direcção á água numa sofreguidão tormentosa.


 Objecto singular mas de tanta utilidade que dá para transportar os mais variados pertences. A sua configuração ajuda, a amarração á ginga, e também ao transporte manual , não faltam “ pegas” . Não lhe chamem mala, porque certamente não vai gostar, a mala ficaria enobrecida se lhe chamassem cangarra. A mala é feita por máquina industrial , a cangarra é a” máquina” humana de mãos calejadas com produtos da natureza .O espírito com que é manuseada é particularmente só de ajuda, para servir e não para ser comercializada. (talvez possa vir a ser, em miniatura ,um objeto regional para turista). Sempre gostei das cangarras e até pintadas , tons de verde espalhadas por cantos do jardim com flores a crescerem por meio, iluminadas interiormente projetavam no local aspectos de beleza curiosa. Havia  quem as inferiorizasse. Não sabiam dar valor ao que valor tem.


•Gostava de ver a chegada dos barcos do Zambeze, que o tempo levou, carregados de gente e de montões de cangarras , cada uma com sua utilidade, que eram atiradas para a margem ,onde águas do rio não chegasse. Cada um levava a sua , num hábito típico da região. Gostava de ver as gingas, carregadas com pares de cangarras amarradas , do aldeão que vinha vender galinha á cidade e já sem espaço ainda cabia o filho mwana que vinha ajudar no negócio. Gostava de as ver perfiladas com o galináceo dentro á espera de comprador.


  ......................." galinha á cafreal" sabia melhor se galinha saísse da cangarra…

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A CAROEIRA

""Logo a jusante de Murura e da foz do Inhaduze, apresenta-se, como parede quasi inaccessivel, a montanha Nhamarongo, que dá o seu nome a quasi toda a cordilheira, e que no cume que ahi forma, dominando as ilhas de Moçambique e Carmanamano, terá talvez i 5o a 200 metros de altitude sobre o nivel do Zambeze. Este ponto de vista é admirável, e o panorama que d'elle se desenrola aos olhos do viajante é magestoso e grande : para o norte as viridentes e bem vestidas serras do Sungo; para o sul os diver-
sos pincaros da Nhamarongo e as suas encostas despenhando-se rápidas sobre o valle do Inhaduze; para sudoeste o valle d'este rio e o paiz de Inhaquiro, chei(como quasi toda esta região) de emmaranhadas matas de macieiras espinhosas, entre as quaes avulta um ou outro soberbo baobab ou molambeira (adansonia digitata), alguns magníficos mitondos, tamarindeiros, etc. ; para oeste e oes-noroeste o curso quasi recto e prateado do Zambeze, com os seus brilhantes areaes até Massangano; e no fundo as serras Pinga do Marango, Caroeira, etc.""Rel Mil 1887-ArqNac


ninguém pode chegar a Tete que lhe não bata a Coroeira pela frente. Quem do aeroporto chegue, lá está ela do outro lado do rio, altaneira , protectora de pompa formosura e num recorte bem contornado , que lhe dá um carisma emblemático e poderoso. Veste-a uma vegetação própria da savana donde nascera do chão há milénios. Talvez tenha sido baluarte de qualquer civilização bantu, que não ficou na história.Da história do tetense do meu tempo, ninguém a tira. Vaidosa sabe que tem valor. Protegendo a cidade gaiata envolve-a de montes , abraçando-a que o Zambeze ciumento , afagando-lhe os braços , completa o abraço. Que quadro maravilhoso, singelo , naturalmente único !. Acolhia sem cerimónias os pic.nics dos Tetenses e apesar de pobre ,sempre oferecia uma sombra,fugindo das micaias, onde se pudesse estender a toalha e todas as vitualhas . O gosto estava no cheiro das iguarias que refinavam o paladar antes do garfo começar a sua missão . As bebidas tiradas da geleira e transportadas em caixas térmicas improvisadas, pesavam menos que o gelo que transportavam. Eram, a Fanta e a Coca-cola ,as rainhas da festa . A laurentina até se sentia mal e a manica quase se encolhia pois estavam em segundo plano dado o feminino dominar o convívio.O Vinto era mais p´ criançada que ficava com os lábios pintados. Por mim a manica, talvez pelo nome indicar proximidade , temperava-me as forças e até me ajudava a afinar a voz em coro improvisado .O calor ajudava o consumo numa de animar o espírito , ao som duma kuela ou marrabenta, que o gravador de fita emitia ,a bom ritmo, enquanto as pilhas resistiam ou o gira-discos mandado vir de Blantyre ou Salisbury ,por ser mais barato, por vezes a agulha pulava ,no retorcido do disco , apanhado por calorão .

….mas quem preferisse explorá-la ,num passeio turístico, seguiria depois da Clara, via acima, piso alcatroado, no meio da chapada nas curvas e contra-curvas mais apertadas ,era o sito mais verdejante do percurso. Chegado ao cimo a paisagem é deslumbrante(consta que em tempos havia um restaurante, deveria de ser soberbo?!!)No sopé , o Vale das Donas ou Nhatanda, prefiro chamar-lhe Nhatanda, barra de capulana verde onde o seu sartanejo acaba e começa a cidade. Airosa, rectilínea,mistura de antigo e moderno, com as acácias rubras floridas e o Zambeze depois de a acariciar, corre desalmadamente sustentando o orgulho por aqui passar.No horizonte uma pintura matizada de lindas cores onde os embondeiros do Chingodzi e Revuboé eram o supremo caracterizante do encanto. O gosto da descida.pelo lado contrário, era bem diferente .Picada pura ,picada onde a cada planalto , uma paragem e admirar as diferenças paisagisticas que se vão sucedendo. O Chimadzi com uma réstia de corrente acompanha, pelo lado esquerdo , até se encontrar a estrada que vai para Boroma. Nasce bem lá no cimo da serra e desde aos trambolhões pela encosta até ao Zambeze, em tempo de chuvas apesar de pouco extenso, transborda e inunda o antigo aeroporto que servia a cidade.… passeio acaba quando sentados no esplanada do Almadia á beira do Zambeze tentamos ver a Caroeira dali em toda a sua grandiosidade, mas a velhaca da cidade diz que primeiro está ela e pouco nos descortina para a olhadela.Na circunstância a serra é mais generosa.