PASSAGEM DE ANO
Tete- gaiata morena de lábios doces
... era o último dia do ano.As contas tinham que ser encerradas e certas até ao tostão. A mecanógrafa correntista, morena, escultural, simpática e vistosa, moderna no vestir de mini-saia arrojada para o tempo e meio, já tinha todos os lançamentos efectuados. O borrão esse antipático papel decalcado, que apenas sofria menos porque a cartolina amarela da conta-corrente amortizava o impacto da tecla, dizia-nos todo manchado que não estava certo. Havia de ter que picá-lo e repicá-lo até encontrar a diferença e quanto mais se picava... mais machado ficava, ao ponto de quase não se verem os números.
Na sobre-loja a contabilidade também andava atrás do gato, uma vez que o débito não batia com o crédito.Certamente que os lançamentos contabilísticos não tinham vindo todos para cima.... até que alguém deu com o cesto cheio de correio para contabilizar.
Diz o Henriques lá para cima: - Puxa o fio...
O monta papeis da agência era um fio ou corda,enovelada, com uma mola na extremidade..
A Fátima, jovem bonita,incorporada, vaidosa e sempre alegre, desloca-se com alguma lentidão, debruça-se na sacada , puxa o fio, com voz feminina inconfundível grita para o Paulino:
-É! "muzungo" vê lá se tens mais ... não me faças esperar..
O Paulino, caixa, ex-piloto, despreocupado mais que a própria despreocupação, que pensava e repensava... que conseguiu avariar a máquina certificadora de entregas e pagamentos, para sempre, só porque não estava á mão de semear, dando-lhe trabalho a mais... mandou-a dar uma volta..
Finalmente a Daisy, com a ajuda do Cardoso e Henriques, conseguiu encontrar a diferença.... lá para cima as colunas também já batiam, paralelamente certas.
A camaradagem era excepcional e naquela último dia de ano reforçou-se.Esperava-nos uma mesa no Aeroclube para passarmos a noite, se agora fosse diria para "abanar o capacete", naquele tempo cada ritmo os seus passos, num corpo a corpo por vezes malandro.. até que a maravilhosa aurora, ímpar nos arredores, se mirasse no rio e nos desejasse bom ano novo.
Enquanto encerrávamos tudo de acordo com as instruções superiores e com o brio de bons profissionais, divertia mo-nos com ditos e referencias ,á surdina, das cartas amorosas do chefe, um pinga amores, dos amores falhados e das que se mordiam de inveja. Para disfarçamos estes acontecimentos, falávamos da primeira ida do Zacarias em prospecção e recolha de fundos. Este serviço era efectuado por táxi- aéreo ás cantinas e outros no mato. Na véspera o Zacarias preparou tudo nervosamente e fechou a porta da agência para, no outro dia, cedo vir buscar o indispensável. Nunca tinha ficado com a chave , objecto tão pequeno mas que não o fez dormir toda a noite. Pela noite alta levantou-se e teve que ir empurrar a porta receoso que a não tinha fechado... tornou-se a deitar, mas o sono iria-o acompanhar na viagem aérea. Era o sentido das responsabilidades que lhe afectava os outros sentidos.
Tete pulava e dançava.
O som do ritmo twisteiro vinha do lado do clube de baixo, mais conhecido pelo Sporting. A sala já estava cheia ...havia os mirones que através das janelas, largas e abertas, contabilizavam se havia ou não par que desse para todos. Mal uma das famílias mais numerosas entrou.... morenas tetenses que, com a sua simpatia e voluptuosidade, animavam e davam outro encanto á festa...foi uma corrida ás bilheteiras e o bar esvaziou-se.
De longe , bem para lá da Caroeira, ouviam-se os tambores populares dos campesinos que no seu folclore bem popular, celebravam num batuque descalço, mas saudável, o fim do velho e a vinda de um novo ano...
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