quinta-feira, 30 de julho de 2009

ACTO DE LEALDADE

Ao deixarmos Moçambique, antes da independência, levamos connosco, a seu pedido, dois nossos empregados. Nunca tinham visto uma cidade tão grande e linda como a cidade do Harare capital do Zimbabwe.(no tempo Salisbury-Rhodesia) Compramos-lhes roupa e obrigatoriamente calçado. Não era permitido andarem pelo centro da cidade descalços. Quase se assustavam com a altura dos edifícios e ficavam atónitos com o movimentos de pessoas e carros . Na hora de ponta sentavam-se , no degrau de entrada do jardim, que rodeava a vivenda que alugamos em Eastlea, bairro bem perto da Umtali Road, via de saída para muitas zonas essencialmente residenciais. O tráfego era tanto que os cativava e naturalmente soltavam exclamações genuinamente nhungués, acompanhadas de gestos próprios, até o transito ficar quase parado. As autoridades concederam-lhes "permit" de permanência de um mês . Tanto Afonso quanto Chaola, pediram-nos para ficar mais algum tempo.Solicitamos a renovação do "permit" para mais um mês, o que foi de imediato deferido. Nesse mês passearam por toda a cidade e até aprenderam a apanhar o taxi,(inexistentes em Tete) nome e utilização completamente nova para eles. Qualquer coisa desconhecida que não entendessem questionavam-nos até perceberem e trocavam impressões em nhungwe.Confundia-os as máquinas de sandwiches e as de coca-cola e num ...UaAhh patrão riam á gargalhada, com a minha explicação de funcionamento, passando a mão pela cabeça.. A cidade encantava-os e se pudessem até ficariam ali para sempre. A familia acenava-lhes, do outro lado, bem perto do Zambeze, rio que os viu crescer e ter filhos. Havia a machamba para cultivar e a palhota necessitava de arranjos antes das chuvas. Afonso e Chaola iam deixar a grande cidade, levavam imensas estórias para contarem, e regressar ao seu país, á morena cidade princesa do Zambeze. Informámo-nos do melhor e mais rápido meio de transporte. Pensamos nos "TIR" que diariamente saiam do Harare para Blantyre no Malawi, passando por Tete. Seria o ideal, até porque eles ,conheciam todos os condutores e parariam mesmo no local desejado. Fomos esclarecidos que dentro da então Rodésia ,não era permitido esse género de boleia e as companhias ficariam sujeitas a pesadas multas. Optámos por uma das carreiras que passaria por Nyamapanda mesmo na fronteira da Changara. Aí chegados, atravessariam a fronteira e uma vez em Moçambique, apanhavam a boleia proibida. Combinado assim, dirigimo-nos á Central de Camionagem de Salisbury (Harare). Centro totalmente utilizado e gerido por africanos, onde não se vislumbrava um europeu. Estacionamos junto ao terminal da Matambanadzo Bus Services. Enquanto eles se informavam convenientemente e adquiriam os bilhetes, um africano, de fato e gravata, anafado e ar ameaçador , falando shona em tom elevado, apressava-se em minha direcção. Num meio que me era adverso, por ser europeu, manti-me quieto e firme encostado ao carro sem fazer qualquer gesto. Afonso dando conta da situação anormal, interpôs-se e num dialogo curto e eficaz, resfriou toda a movimentação do bem vestido. Chaola também não ficou parado e não sei, o que lhe disse, que o engravatado retrocedeu e pediu desculpa num "pardon" frio e seco. Nunca mais soube noticias nem Afonso nem Chaola. Mesmo quando foi a Moçambique ,após a independência em visita e aos anos de familiar. Fiquei por saber o que disseram ao possível agressor. Jamais esquecerei o acto de lealdade.

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